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O que mudou desde 2008, última vez em que Lula aumentou IOF para pagar as contas?

Elevação foi usada há 17 anos para cobrir o fim da MF, mas, desde então, carga tributária do país chegou ao limite

Por Juliana Elias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 jun 2025, 08h05

O decreto assinado e publicado em 22 de maio pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinando um aumento generalizado do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF, para cobrir o rombo do Orçamento do ano, não foi o primeiro do gênero que Lula já fez. O petista já recorreu ao mesmo tributo, e para a mesma finalidade, uma outra vez antes, ainda em seu segundo mandato. Os desfechos, entretanto, foram completamente diferentes.

A medida mais recente causou um levante imediato de críticas, acabou rechaçada pelo Congresso e está fadada a ser revista tão logo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresente o novo pacote fiscal que se comprometeu em montar para colocar no lugar do aumento de imposto. O que está em jogo nessa empreitada é o tema da reportagem de capa de VEJA desta semana.

Entre os principais argumentos contra a majoração, está o fato de a legislação prever o IOF como um imposto meramente regulatório, reservado para atacar distorções no mercado de câmbio ou crédito, por exemplo. Seu uso declarado como medida para gerar receita extra e fazer ajuste fiscal, como fizeram Lula e Haddad, torna-se, portanto, um flagrante abuso da lei.

Fim da MF, aumento do IOF

Isto não pareceu abalar ninguém da outra vez em que o mesmo aconteceu. Em 2008, foi também um aumento de IOF o recurso usado pelo próprio Lula e seu então ministro da Fazenda, Guido Mantega, para cobrir o buraco aberto no orçamento daquele ano. O rombo da vez apareceu depois que o Congresso, num pequeno marco histórico da evolução tributária do país, acabou com a MF.

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira foi criada em 1993 para ser, como o próprio nome diz, provisória. Seria entretanto prorrogada diversas vezes por todos os governos e legislaturas que vieram depois. Na última tentativa, em dezembro de 2007, acabou finalmente vetada e eliminada pelos parlamentares.

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A derrubada arrancou subitamente do orçamento uma receita de 40 bilhões de reais à época, o equivalente a cerca de 100 bilhões de reais em valores de hoje. Para se ter uma ideia, é cinco vezes mais do que os 20 bilhões de reais que Haddad achou que ia conseguir para 2025 com o aumento de IOF atual.

No caso de Mantega e da finada MF, em poucas dias, o decreto para aumento do imposto, baixado em 3 de janeiro de 2008, já estava publicado, valendo e, à despeito das críticas que chegou a receber, estava pronto para ter a vida longa que mantém até hoje. A arrecadação dos cofres públicos com IOF sairia de 21 bilhões de reais em 2007, último ano de vida da MF, para 70 bilhões de reais em 2011, faixa em que segue gravitando até hoje. Os valores são do Tesouro Nacional e já estão corrigidos pela inflação.

‘Um mundo que acabou’

Se as situações, e até o presidente, são iguais, por que aumentar o IOF virou hoje o inimigo do povo quando, no ado, pareceu tão natural? Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, a resposta a necessariamente pelo esgarçamento da carga tributária com que o brasileiro convive atualmente. Nesse contexto, a comparação entre os dois episódios serve como um exemplo claro de por que a agenda de criar arrecadação para pagar as contas, em que Lula ainda insiste a essa altura de 2025, não funciona mais como funcionou no fim do século XX e no começo do XXI.

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“A caga tributária cresceu muito ao longo do tempo, e a derrubada da MF foi o primeiro movimento da sociedade dizendo que estava encharcada de imposto e não ia aceitar mais. Desde então os governos não conseguem mais colocar mais impostos”, diz Mendes, que é consultor licenciado de finanças públicas para o Senado, teve agens pelo Banco Central e o Tesouro Nacional e foi, também, assessor especial do Ministério da Fazenda do ex-presidente Michel Temer, quando participou da elaboração de reformas como o Teto de Gastos e a reforma da Previdência.

“O que o governo está tentando fazer agora é voltar para um mundo em que ele aumenta a despesa e aumenta imposto para cobri-la. Só que não tem muito espaço mais para aumentar imposto e, onde há, há resistência política”, acrescentou.

O salto tributário

A carga tributária, movida tanto pela elevação quanto pela criação de novos impostos, aumentou enormemente no Brasil ao longo dos anos de 1990, resultado direto da Constituição de 1988, que, no ímpeto da redemocratização, criou um novo Estado amplo em direitos e audacioso em proteções sociais.

É um aparato que inclui desde uma Previdência generosa até educação e saúde gratuitas, além dos programas de combate à pobreza. Acompanhando as despesas crescentes, o volume de impostos pagos pelos brasileiros saiu de 23% do PIB, em 1991, para 33% em 2005, de acordo com série do Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas. Desde então estancou nessa faixa e gravita em torno dela. Não à toa, o veto à MF veio apenas dois anos depois. “Foi só o começo desse processo de a sociedade rejeitar mais tributação (…). De lá para cá, os governos não conseguiram mais colocar mais impostos”, conta Mendes.

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Em 2024, esta carga chegou aos 34% pela primeira vez na história, de acordo com a FGV. Trata-se de uma das proporções mais altas entre países emergentes de perfil parecido. É, por exemplo, o maior peso tributário entre as economias latino-americanas, de acordo com a metodologia do Fundo Monetária Internacional, que é mais ampla e contabiliza a carga brasileira em 37% do PIB. Só Equador, com 36%, e Argentina e Colômbia, com 32%, chegam perto. Na Bolívia é 27%, no Chile 25%, no México 24% e, no Peru, 19%.

O aumento da dívida

Sem conseguir mais aumentar a arrecadação, as contas do país aram a ficar estruturalmente no vermelho a partir dos anos de 2010. Quer dizer, os gastos ultraaram as receitas, e foi o aumento do endividamento que ou a financiar essa expansão.

A dívida pública brasileira saiu de 50% do PIB, em 2014, para 75% hoje, também uma das mais altas entre seus pares e apenas o mais novo parâmetro que chegou ao limite – o que aparece nos juros exorbitantes que os investidores aram a exigir para seguir colocando o dinheiro nela. “O único jeito de matar o problema dos déficits na origem é pelo lado dos gastos, que vêm de um crescimento excessivo e têm muita rigidez”, diz Mendes.

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